quinta-feira, 15 de março de 2012

O poder da palavra (2): o último discurso de Daniel Webster.

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Senador Daniel Webster


“Se Daniel Webster tivesse tido a sorte de morrer no dia 6 de Março de 1850, a estória da sua carreira teria sido o desespero dos biógrafos. Conseguir dizer a verdade e, ao mesmo tempo, evitar cometer os horrores da grandiloquência, teria constituído o supremo teste à habilidade literária. Mas a Natureza equilibra o seu trabalho e, por isso, Webster foi mantido vivo de modo a poder chegar ao dia 7 de Março de 1850 e, assim, ter a oportunidade para fazer um discurso que foi possivelmente o mais famoso da nossa história e também, seguramente, o mais infeliz. A sequência dos acontecimentos mostrou que não havia razão para uma tão longa vida. Foi uma crueldade que o seu fim, aliás tão próximo, tenha sofrido aquele pequeno adiamento.”

John T. Morse, historiador, biógrafo e editor norte-americano, foi o responsável por uma revolução copernicana na arte da biografia política, privilegiando o retrato objetivo e a pesquisa histórica em detrimento do estilo literário e do registo comprometido. Contudo, escreveu estas palavras, pouco misericordiosas, no prefácio à biografia, publicada em 1899, do político conhecido como o maior orador da sua época. O discurso de Daniel Webster, que o tempo preservou sob a designação “Réplica a Hayne”, é mesmo considerado a maior peça de retórica da história dos Estados Unidos, sendo ainda estudada nas escolas e universidades daquele país.



O momento da réplica de Webster a Hayne

Por que razão quereria John T. Morse “matar” o Demóstenes do século XIX? Por que defendeu que seria de toda a conveniência para Webster, que veio a falecer em 1852, ter sido poupado a 2 anos de sobrevida?
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O jovem Webster, muito longe de saber que seria condenado à morte por Morse,
mas já condenado a ser sósia de João Pereira Coutinho


Acontece que, no célebre discurso de 7 de Março, o senador do Massachusetts deu o seu apoio ao “Compromisso de 1850”, proposto por Henry Clay e Stephen Douglas como medida de último recurso para evitar a guerra civil que se prefigurava. Daniel Webster notabilizou-se no período da história dos Estados Unidos em que se adivinhava o grande conflito entre o norte e o sul, latente desde a independência e que, para tornar esta possível, não fora resolvido no entendimento constitucional de 1787.
O Compromisso de 1850 permitiria aos estados sulistas manter a escravatura, mas limitava a possibilidades de os novos estados se constituírem como territórios esclavagistas. Tratava-se de uma medida desesperada para preservar a unidade dos Estados Unidos, mas os abolicionistas do nordeste, desde esse malfadado dia de 7 de março, escolheram como seu alvo preferencial dos seus ataques Webster e o seu último discurso. Este nunca recuperaria a popularidade perdida junto dos eleitores do seu estado e seria humilhado, pouco antes de morrer, nas eleições presidenciais de 1852, ficando em terceiro nas primárias para a nomeação do partido whig.
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O candidato Webster


Terá sido justa a terminante condenação de Daniel Webster? Pela boca morre o peixe, sói dizer-se. Terá, pois, o grande orador morrido pela palavra antes de quinar biologicamente? E será ainda mais definitivo o suicídio oral do que o passamento fisiológico?
Bem, a verdade verdadinha é que logo em 1900, quando a Universidade de Nova Iorque designou o maior americano de todos os tempos para figurar no seu Hall of Fame, Washington ganhou com 97 votos, mas logo a seguir apareceram, a par, Lincoln e Webster, com 96 votos. Webster, mero senador, ao lado do inigualável presidente Lincoln e a um voto do incomparável presidente-rei Washington?
Pois a verdade verdadinha é que Abraham Lincoln ganhou a presidência, que Webster várias vezes tentou sem sucesso, com base exatamente na mesma plataforma que aquele: o Compromisso de 1850. No discurso inaugural, Lincoln defendeu a manutenção da escravatura nos estados do sul na linha do discurso de 7 de Março. Era a única forma, defendia, de evitar o fim dos Estados Unidos. Por outras palavras, a verdade verdadinha é que tanto um como o outro colocavam a unidade nacional antes do valor da liberdade para todos os homens.
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Daniel Webster não tinha ilusões em relação àqueles que o apoiaram nos bons tempos e depois o abandonaram. Nas suas palavras, “os políticos não são girassóis, não olham para o seu Deus quando ele se levanta com o mesmo olhar com que o fitam quando ele se põe”.  Mas a história fez-lhe justiça. Em Março de 1959, na Reception Room do Capitólio, realizou-se a festa da inauguração do Hall of Fame do Senado. Uma comissão senatorial, presidida por um certo John F. Kennedy, deliberara que Daniel Webster o integraria, ao lado de quatro outros senadores, dois dos quais, Henry Clay e Stephen Douglas, tinham proposto o Compromisso de 1850 para evitar a guerra civil. Desde então, a propósito destes eleitos entre os eleitos, fala-se dos Famous Five.
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Webster no Hall of Fame, num quadro escolhido pelo sen. Kennedy


107 anos após a sua morte física, 109 anos depois do discurso que presumivelmente o condenara, toda a nação americana reverenciava a memória de Daniel Webster. E, numa homenagem singela mas que a pouquíssimos presidentes foi concedida, foram emitidos mais do que um  selo em seu nome pelo U.S. Post Office.



O selo de Webster


O qual poderia então ter dito, como Mark Twain: “As notícias sobre a minha morte são um pouco exageradas.”


José Luís Moura Jacinto



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