sexta-feira, 16 de março de 2012

Uma decisão judicial repugnante.

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Há decisões judiciais com que concordamos e outras de que discordamos, Há decisões judiciais que louvamos e decisão judiciais que criticamos. Há decisões judiciais fantásticas e, depois,  há as decisões judiciais repugnantes.
 É o caso do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18 de Fevereiro de 2008, de que só agora tivemos conhecimento, de que foi relator o juiz desembargador Anselmo Lopes.
O caso parecia simples: Alberto, um indivíduo alcoólico que ao longo de quinze anos aterrorizou a mulher e os filhos, insultando-os, agredindo-os e ameaçando-os fora julgado e condenado no tribunal de 1.ª instância na pena de 3 (três) anos de prisão efectiva, pela prática de quatro crimes de maus tratos cometidos nas pessoas da Maria, sua mulher  e dos três filhos bem como na pena acessória de afastamento da residência da mulher e dos filhos.
É impossível relatar todos os episódios da violência sinistra que o Alberto exercia sobre a sua família e que foram dados como provados na sentença que o condenou, mas a título de exemplo, refira-se que nos últimos anos, diariamente, chamava ”puta”, “vaca” e “vaca taurina” à mulher; desferia-lhe estalos na cara; puxava-lhe o cabelo; atirava contra o seu corpo os objectos que tivesse à mão. Nessas alturas, a Maria fechava-se num dos quartos da casa e o Alberto  atirava contra as portas ferros, cabos de vassouras e facas, pelo  que duas das portas da casa ficaram completamente esburacadas e destruídas. Ainda outro exemplo: uma noite, o Alberto bateu na Maria na presença de um filho menor. Um outro filho, que acordara com o choro da sua mãe, levantou-se e dirigiu-se ao quarto, com a intenção de parar aquelas agressões e de socorrer a sua mãe. O pai não hesitou: desferiu-lhe vários murros que o fizeram cair e enquanto permanecia no chão, pontapeou-o continuadamente. Um relato pormenorizado e angustiante  encontra-se aqui.
O Alberto recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães.  O recurso era até tímido na sua formulação. Entendia o Alberto, pela pena do seu advogado, que a pena era excessiva, sendo certo que o seu comportamento radicava na ingestão de bebidas alcoólicas e que a prisão não era o meio idóneo para a sua ressocialização.  Na sua opinião, seria justa e suficiente uma pena de prisão não superior a 2 anos e suspensa na sua execução pelo período de 4 anos. Quanto à pena acessória de afastamento da habitação da Maria, Alberto  não a punha em causa no recurso.
O acórdão da Relação de Guimarães escrito pelo juiz desembargador Anselmo Lopes  com a concordância das juízas adjuntas Nazaré Saraiva e Maria Augusta,  é um filme de horror e vale a pena lê-lo para se perceber como o direito nos pode envergonhar: afinal, dois dos filhos não se podia considerar que tinham sido vítimas de maus tratos, tinham sido meramente “vítimas psicológicas da violência familiar como tantas outras (milhões delas)” pelo que o tribunal, sem que ninguém lho tivesse pedido mas para evitar uma “injustiça manifesta”, decidiu que dois dos crimes  de maus tratos não tinham existido. Depois, quanto à suspensão da pena, Anselmo Lopes após considerar abstractamente o crime de maus tratos como hediondo, passou rapidamente a minimizá-lo, até porque, no seu entender, há outras sub-espécies de maus tratos “quiçá mais perversas, nas causas, nos meios e nas consequências, como sejam a negligência afectiva, os maus tratos psicológicos e as agressões pelos diversos meios audio-visuais (música, literatura, televisão, cinema, internet, jogos electrónicos, etc.)” E acrescentou: “Além destas, há uma forma de agressão que tem sido totalmente escamoteada e que, todavia, é a mais brutal delas todas: refiro-me à agressão política, activa e omissiva”. Enfim, tudo justificava a suspensão da pena, afastando um “certo e actual fundamentalismo que corre nesta matéria”...
E, assim, a Relação de Guimarães diminuiu a pena para dois anos e oito meses de prisão e, sobretudo, suspendeu a sua execução pelo mesmo período,  isto é, o Alberto nem sequer cumpriu qualquer pena de prisão! A Relação de Guimarães revogou, também, a condenação na obrigação de afastamento da residência da mulher.
Infelizmente, o juiz desembargador Anselmo Lopes aposentou-se em 2010 e não pode  ser premiado por este corajoso acórdão mas, ao menos, o Conselho Superior de Magistratura devia fazer-lhe um jantar de homenagem. Em nome dos autores de crimes de maus tratos, vítimas de um “certo e actual fundamentalismo”...
Declaração de interesses: o juiz desembargador aposentado Anselmo Lopes tem uma acção pendente contra uma magistrada do Ministério Público que eu patrocino.

Francisco Teixeira da Mota

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