sábado, 26 de maio de 2012

Um debate que se impõe.

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Walker Evans, Tenant Farmer's Daughter, 1936





Em 1936, o grande, o enorme Walker Evans tirou a fotografia que está acima, que tem vários títulos. O mais conhecido: «Tenant’s Daughter Farmer». O mais comprido, oficial: «Lucille Burroughs, Daughter of a Cotton Sharecropper. Hale County, Alabama». A rapariga, Lucille Brown, tinha 10 anos na altura e sonhava ser professora ou enfermeira. Sonhos de menina tempos de Grande Depressão. A história da fotografia é extraordinária, e pode ser lida aqui.
Lucille Brown casou aos 15 anos. Divorciou-se, casou de novo, e teve quatro filhos. O marido morreu novo. Lucille nunca chegou a ser professora ou enfermeira. Andou na apanha do algodão e foi empregada de mesa. Sempre foi pobre. Matou-se em 1971, aos 45 anos de idade, ingerindo veneno para ratos.

A imagem tem uma história, como se vê. Não questiono o uso de imagens «icónicas» nas capas de livros. O problema é que o risco de repetições é muito grande. E, como disse, há imagens que têm uma história e uma carga simbólica, um lastro pretérito que talvez não coincida por inteiro com o conteúdo das obras a que servem de capa. Depois, há ainda a questão do «tratamento» de imagens de grandes fotógrafos: será legítimo fazê-lo?

A Relógio D’Água é a melhor editora portuguesa, Francisco Vale é o melhor editor português (declaração de interesses: sou seu amigo e admirador, trabalho com ele em alguns projectos). Se a melhor editora portuguesa «trata» imagens de grandes fotógrafos, uma opção que interessa discutir (à partida, não é uma opção ilegítima, mas devemos debater o assunto), o que farão as outras editoras? Quer uma resposta? Entre, com olhos de ver, numa livraria. Veja as capas dos livros, com calma. Depois, conclua. A questão não é uma picuinhice esteticista. Não estou a falar da Relógio D'Água, calma. Falo dos outros, quase todos: a opção cada vez maior por utilizar bancos de imagens, por parte de várias editoras em todo o mundo, é facilitista e empobrecedora das artes gráficas, da ilustração, da fotografia. A prazo, pode ser fatal, matando o surgimento de novos talentos. Cuidado com o futuro. Os nossos criadores, os nossos ilustradores, os nossos fotógrafos, os nossos gráficos não dizem nada?


António Araújo

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