quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Sentença exemplar.

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Via Expresso, ficámos a saber que António Araújo coleciona sentenças antigas. Inspirados pelo nosso editor, buscámos decisões exemplares. Eis uma que descobrimos com prazer:

Em Millwood, Nova Iorque, nos idos de 1920 e qualquer coisa, o antigo juiz de paz (Justice of the Peace) Ogden S. Bradley apresentou queixa de Grace Williams, de 18 anos, acusando-a de conduta desordeira por, todos os dias, ao passar junto da sua casa, cantar "Everybody´s Doin´t It Now" enquanto dançava o lascivo "Turkey Trot", quando passava junto à sua casa. O tranquilo juiz de paz e a sua mulher pensavam que a canção e a dança eram altamente impróprias e sentiam-se profundamente incomodados ao ouvirem e verem a arguida nesses propósitos.

O advogado de Grace Williams, Stuart Baker, pediu um julgamento com júri. Na audiência, a arguida declarou que, com efeito, cantava a canção porque gostava muito dela e que dançava porque, quando se sentia possuída pelo ritmo, não conseguia evitar os passos e os trejeitos do "Turkey Trot".

Nessa ocasião, o advogado da arguida ofereceu-se para cantar a canção. O procurador contestou, argumentando que tal procedimento transformaria o julgamento numa farsa. O juiz Chadeayne afastou a objecção com o argumento de que se tratava de um meio de prova importante para apreciar se efectivamente teria havido conduta desordeira.

Stuart Baker fez, então, ouvir a sua bela voz de barítono. Quando chegou ao refrão "Everybody´s doin´it, doin´it, doin´t", todos os assistentes se lhe juntaram, com algum entusiasmo. No final, os jurados reclamaram "bis". Autorizado pelo juiz Chadeayne, o advogado voltou a entoar a canção, agora com maior intensidade e emoção. Enquanto cantava, ofereceu aos membros do júri uma versão moderada dos trejeitos do "Turkey Trot". Os jurados permitiram-se avaliar a interpretação, aplaudindo vigorosamente, autorizados pelo sorriso complacente mas discreto do juiz Chadeayne.

Em cinco minutos chegou-se à deliberação que absolveu por unanimidade a arguida. E o ragtime lá continuou a corromper a juventude e a alegrar os corações. Não há registo de uma eventual mudança de residência do sensível juiz de paz e da esposa, nem da sua eventual conversão às delícias de "Everybody´s Doin´It Now".

 

José Luís Moura Jacinto

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