sexta-feira, 14 de junho de 2013

Moçambique: notas de campo (10).







Fotografia de Gabriel Mithá Ribeiro





Quanto mais dialogo com jovens escolarizados dos bairros suburbanos da cidade da Beira, em Moçambique, mais me convenço da utilidade da milenar sabedoria chinesa. Em geral, os discursos dos jovens moçambicanos são, a um tempo, frontais e críticos do poder político instituído. A matéria-prima de que disponho é exploratória, não permitindo aferir nada de sustentável. De qualquer forma, porque esses discursos de senso comum são objectivados na figura do presidente da república, fica a ideia de Armando Guebuza estar a tornar-se vítima da clareza e sustentabilidade no tempo do seu próprio discurso, precisamente entre aqueles que foram crescendo ao ritmo das suas falas. Em 2004, quando chegava ao poder, Armando Guebuza prometia combater a corrupção, a pobreza e a pobreza absoluta. Agora, quase uma década depois, a história deu as suas voltas. Concordando ambos com muita clareza – presidente e jovens urbanos escolarizados – quanto à centralidade da corrupção e da pobreza na gestão política do país, considerando ainda que o mais velho foi o mestre que – de modo muito incisivo – indicou tais prioridades aos mais novos, as interpretações dos resultados das práticas governativas desembocam em caminhos avessos. Portanto, as intenções originárias do poder esvaíram-se. Captei ainda, entre os jovens, a tese de que o recenseamento eleitoral, neste momento em curso em Moçambique, está marcado por deficiências cujo intuito é o de, supostamente, evitar o crescimento exponencial do número de novos votantes jovens, o segmento que mais tenderá a optar por alternativas políticas. Mesmo que apanhadas no ar e discutíveis nos seus fundamentos, estas ideias traduzem, pelo menos, um fenómeno interessante: o de progressivamente se irem abatendo sobre a Frelimo (no poder desde 1975) problemas políticos suscitados pelos excessos de natalidade, posto que o poder governativo não quis ou não soube gerir de outro modo o assunto do acelerado crescimento demográfico. O facto é que a matéria pode revelar-se estratégica para a sustentabilidade no poder a longo prazo de uma mesma força política, além de permitir resolver com maior eficácia muitos outros problemas cruciais: criminalidade, ensino, saúde, ambientais, estruturas urbanas, transportes, entre outros. Apesar da forte empatia com a China, a Frelimo não aprendeu a lição do chinês. O Partido Comunista da China, por seu lado, vai conservando o poder de modo relativamente estável também (ou sobretudo) porque regulou a natalidade. Uma população envelhecida é sempre mais dócil, permitindo que o poder se relegitime com relativa eficácia a cada nova geração. Com o controlo da natalidade, as crianças estão mais fortemente debaixo da alçada dos pais e mais velhos. Estes, com muito maior facilidade, contaminam a rara descendência com os seus fantasmas históricos que vão preparando os debutantes para a submissão à autoridade do estado, fantasmas que não são mais do que interditos em torno de ideias, pensamentos, considerações sobre os governantes. Acontece que tais interditos são muito mais facilmente quebrados quando as novas gerações crescem sobretudo entre pares, mais ainda em contextos onde a rua pesa na socialização de crianças e jovens, em parte, entregues a si mesmos. Retrato dos subúrbios da África Subsaariana onde me encontro. Um pouco mais a norte, alguns dos regimes árabes viveram e vivem processos de erosão da legitimidade do poder equivalentes. Estes podem não ter tanto a ver com o envelhecimento dos homens do poder, antes com o rápido rejuvenescimento da população. E um poder cristalizado, secundado pelos de sempre, entre notáveis e mais velhos, revela grandes dificuldades em se aperceber das características do subsolo humano de sociedades dominadas em número por crianças e jovens, tanto mais quando os últimos são acalmados com recurso precisamente à estratégia que mais activa o seu descontentamento e pretensões reivindicativas: a escolarização. Não é por mero acaso que, em conjunturas de curta duração, forças políticas dominantes e sólidas durante décadas podem colapsar que nem baralhos de cartas por corrosão das fundações. Basta ir ouvindo os jovens urbanos escolarizados, como os moçambicanos. A sabedoria milenar do mestre chinês é bem mais eficaz do que as frases feitas – poucas, curtas e claras – do actual marketing político.
 
 
 
Gabriel Mithá Ribeiro
 
 
 

1 comentário:

  1. Pois o problema é a natalidade. O que falta é uma lei obrigatória do aborto e Moçambique será em poucos naos o paraíso na terra.....~lol

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