domingo, 4 de agosto de 2013

Josep Fontana: entrevista ao El País.









“O HISTORIADOR DEVE AJUDAR AS PESSOAS A PENSAREM”
extractos duma entrevista dada pelo historiador catalão Josep Fontana
ao jornal El País

 

 

O eminente historiador catalão Josep Fontana (Barcelona, 1931), filho de um  alfarrabista, antigo militante do PSUC, doutorado em 1970, discípulo de Vicens Vives, influenciado pelas obras de Walter Benjamin, Gramsci, Pierre Vilar, Ferran Soldevilla e Vives, doutorando-se em 1970 e jubilando-se em 2001, depois de ter ensinado nas Universidades Pompeu Fabra e Autónoma de Barcelona, tendo sido ainda professor jubilado em universidades da América latina, incluindo  Brasil, é autor duma obra deveras relevante, da qual lembraremos A História depois da História, A Europa diante do Espelho (1994), Ensinar a História com uma Guerra civil de Permeio (1999), A Época do Liberalismo (vol.VI da História de Espanha editada por Marcel Pons, 2007), Pelo Bem do Império (2011) e, neste ano, O Futuro é um País estranho (2013), sobre o qual deu uma entrevista ao suplemento Babelia, do jornal madrileno El País, em 20-VI-13, do qual respigámos e traduzimos algumas passagens mais relevantes.

 

JF: O papel do historiador é, sobretudo em momentos de mudanças de mudança, ajudar as pessoas a pensarem. O que é difícil e nem sempre se consegue, em especial se o raciocínio vai contra as convicções. Uma grande parte do que pensamos é preconceito, tópico com muito pouca reflexão. O papel do historiador é mostrar as coisas, dá-las às pessoas para que as interpretem. Não se trata de explicar a verdade mas de discutir verdades estabelecidas que são duvidosas e oferecer elementos para trabalhar com eles e ver o que de pode arrancar dos mesmas. (…). Neste sentido, há muitas coisas que conseguem desmontar a visão histórica estabelecida. Essa, parece-me, é a função do historiador, o que aprendi com os meus mestres Vicens Vives, Pierre Vilar, Ferran Soldevilla. (…). O uso da História, o que Vilar chamava “pensar historicamente”, ou seja, com uma certa perspectiva crítica, pode ter certa utilidade. Sobretudo se se evitam as visões globais e os esquemas simplistas e se se atende à realidade viva. Já Thompson propunha ir às coisas concretas: o que acontece e como acontece. Como as pessoas vivem as situações, como as sentem. Isto, claro está, é o contrário do que faz a maior parte dos chamados “cientistas sociais” que trabalham com grandes modelos interpretativos. É desse modo que pretendo ser socialmente útil: importunando. Eu costumava provocar reticências, mas se não te importares, o resultado é mais satisfatório: não lhes agradas, mas respeitam-te.
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BABELIA: De modo que o seu livro devia ser útil para se compreender a crise. Também para a superar?
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JF: Este é um livro sobre a crise, entendida como crise social. Havia um mundo em que se supunha que havia alternativas. E na medida em que era assim, era imprescindível o jogo da negociação e da concessão. Hoje não há alternativa e o que se avizinha é um período de reconquista  do passado. Talvez um dia termine a crise, mas não sabemos como será a saída dela, não se sabe se hão-de recuperar os empregos que se perderam. Provavelmente o que se verá é que se perderam muitas coisas que se haviam ganho e que haverá que tornar a conquistá-las. (…). Nada voltará a ser como dantes (…).
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BABELIA: Que fazer?
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JF: (…). Temos uma situação estranha: os jovens vão para a praça da Catalunha ou para a Porta do Sol protestar, mas os pais deles votam PP e CiU. Que se pode esperar disto? Nada. Porque há apenas consciência. Por outro lado, os movimentos de base a partir dos próprios problemas me parecem mais interessantes. (…). O franquismo caiu, em parte, pelo medo destes movimentos, incluindo, claro nesta, os sindicatos. Não eram os partidos que lhe faziam medo. As pessoas estão a ser cada vez mais castigadas, perdendo direitos. Acabarão por protestar. O problema será articular com o protesto para lhe dar forma de alternativa política.(…).
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BABELIA: As suas críticas coincidem com aqueles que sustentam que os partidos tradicionais respondem mais a interesses financeiros do que à população.
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JF: Isso é algo muito claro. Chega a crise, e o que é que se faz? Salvam-se os bancos.(…).
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BABELIA: O socialismo, não o partido socialista, é uma alternativa?
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JF: Socialismo que dizer hoje que os outros devem temer que haja uma alternativa e que alguém possa organizá-la. A social-democracia tinha como objectivo a mudança dentro do sistema. E conseguiu não poucas coisas, por exemplo do Estado de bem-estar. Mas quando chegou aí, ficou sem programa porque não pretendia mudar a sociedade. (…). O afrouxamento dos controlos sobre o sistema financeiro foram Clinton, Balir e Gonzalez que os protagonizaram. É certo que criaram um estrutura de direitos sociais, mas logo resultou daí que não se podia pagá-lo. Não sei se o socialismo voltará a encarar o futuro. (…).Esta alternativa não poderá ser nem uma social-democracia que se acomodou e apodreceu, nem o socialismo identificado com o mundo soviético, que também faliu. A prova é que, quando se afundou a União Soviética, esta nada deixou atrás der si. Assim, há que reinventar o socialismo. Há que recuperar a ideia de que de que pode haver esperança de um sistema sem os vícios deste.
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Entrevista de Francesc Arroyo, em Babelia, 20-VI-2013, p. 7, a propósito do livro de Josep Fontana, El Futuro es un País extraño, ed. Pasado y Presente, Barcelona, 2013.

Selecção de extractos e tradução de João Medina.
 
 
 
 

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