segunda-feira, 21 de julho de 2014

A orelha de Estaline.

 

 
 
 
Quem subir ou descer a Karl-Marx Allee, em Berlim, não pode deixar de entrar no Café Sybille. Fica no nº 72. Com grande pena, a Livraria Karl Marx, que ficava no nº 78, fechou as portas, mas ainda se pode dar uma espreitadela ao interior. No nº 131-A ficava o maravilhoso Kino Kosmos, um prodígio da arquitectura de inspiração soviética, que também já viu melhores dias. 
A avenida é gigantesca, e chamava-se Frankfurter Strabe (ou mesmo, como era – e é gigantesca – Grobe Frankfurter Strabe). Tem qualquer coisa como 2,3 quilómetros, com prédios de apartamentos de 14 andares. Era um ex-líbris da Alemanha de Leste. Em homenagem ao grande ditador soviético, mudaram-lhe o nome para Stalinallee e, em 1951, por ocasião do 3ª Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, a delegação da URSS decidiu abrilhantar a festa trazendo uma estátua de bronze do Pai dos Povos, com 4,80 metros de altura. A estátua foi colocada em frente ao Deutsche Sporthalle, um edifício construído em tempo recorde para aquela reunião de juventudes. Como a construção era apressada e fracota, a obra não durou muito tempo: o majestoso Deutsche Sporthalle encerrou ao público em 1969 e foi demolido dois anos depois.
 
 
Agosto de 1951
 
Novembro de 1952
 
Abril de 1953
 
Dezembro de 1954

 
O Café Sybille alberga hoje muitos objectos que ilustram o sonho do que seria a Stalinallee, um boulevard de primeira classe numa sociedade orgulhosa de as não ter. No interior do Sybille, fotografias dos andares-modelo, mobiliário d'época, elementos decorativos e escultóricos que adornavam as imponentes fachadas, cartazes de propaganda,  há de tudo sobre uma avenida destinada a servir de morada aos altos quadros do Partido. Na altura da sua construção, no inícios dos anos cinquenta, Otto Grotewohl, chefe de governo da República Democrática Alemã, exortou os operários a trabalharem mais 10% do que deviam (sem qualquer compensação, está  visto). O operariado não seguiu a exortação patriótica e, pelo contrário, entrou em rebelião. O levantamento popular obrigou à intervenção soviética e, ao fim de 55 a 75 trabalhadores mortos, as obras prosseguiram a bom ritmo. Isto até ao XX Congresso do PCUS, onde, como é sabido, a figura de Josef Estaline foi um pouco maltratada por Nikita Krutschev.
 
 











 
 















Fotografias de António Araújo


 
Em 1961, três meses depois da erecção do Muro, decidiu-se que a Stalinallee iria mudar para Karl-Marx Allee e, num troço, para a antiga designação de Frankfurter Allee. É lá, na Karl-Marx Allee, que está o Café Sybille. De um dia para o outro, os distintos habitantes da Stalinallee descobriram que moravam na Karl-Marx Allee e os menos distintos operários da fábrica EAW J. W. Stalin ficaram a saber que trabalhavam na EAW Tretpow. No Café Sybille conta-se uma história curiosíssima, que é mais ou menos assim: numa noite chuvosa de 14 de Novembro de 1961, cerca das dez horas, o operário Gerhard Wolf regressava a casa, vindo do cinema. Dois camaradas seus pediram-lhe que se juntasse a eles, na brigada que procedia à remoção da estátua do Generalíssimo. Ao princípio, Gerhard recusou, mas por volta das dez e meia da noite estava ao volante da sua motorizada, rumo à estátua estalinista. Chegando lá, foi logo avisado pelos colegas de que tinham de tirar dali o monumento sem dar muito nas vistas. A polícia cercava o local, impedindo o olhar cusca dos transeuntes, enquanto Gerhard e os seus companheiros se encarregavam de derrubar o símbolo soviético. Por volta da meia-noite, um camião chegou ao local e levou a estátua de bronze para o depósito da Deutsche Bau Union. Um alto funcionário do Ministério da Segurança do Estado advertiu os operários que a estátua deveria ser feita em picadinho, dela não sobrando bronze sobre bronze. Ninguém poderia levar um bocado sequer como recordação e todos se ajuramentaram sob segredo máximo. Gerd Wolf e os colegas avançaram com os martelos pneumáticos e, em pouco tempo, o bronze de Josef Vissarionovitch estava desfeito. Por volta das quatro da madrugada, a maior estátua de Estaline que existia na Alemanha Oriental tinha deixado de existir. Muitos tentaram guardar uma relíquia da alimária de bronze, contrariando as directrizes muito estritas das autoridades. Gerd, a quem tocou o encargo de esmigalhar a cabeça do líder soviético, conseguiu, às escondidas, enfiar no bolso do fato-macaco uma orelha e um pedaço do bigode histórico do Czar Vermelho.  
 



 
 
Durante anos, Gerhard Wolf contou esta história, bastante sigilosa. A orelha e o bigode de Josef Estaline estão hoje no Café Sybille, numa vitrina. Gerd Wolf morreu em 1994, na cidade de Berlim. E pronto.
 
 

António Araújo






 

2 comentários:

  1. Para a proxima vez gostava que abordassem a ida de Cavaco Silva à Coreia do Sul acompanhado por empresarios já com contratos assinados. Já agora a ida de Passos Coelho ao Bangaladesh,não para assinar contratos,mas para ver como naquele pais, se consegue viver com poucos centimos de salario dia,para poder aplicar a receita em portugal

    ResponderEliminar