domingo, 3 de agosto de 2014

When I Paint My Masterpiece.









Talvez no mundo dos historiadores de arte seja considerado uma espécie de Dan Brown, mas é um gosto ler alguns livros de Ross King. Num deles, sobre o Tecto do Papa, a Capela Sistina, fala das andanças, dos trabalhos e do dinheiro que Miguel Ângelo despendia para comprar um raríssimo pigmento de azul, de uma tonalidade única, que uns monges fabricavam e vendiam aos mais afortunados. Esse e outros livros de King têm o mérito de contar aos mais ignorantes, como eu, as condições materiais de que os artistas necessitavam para fazer as suas obras, as dificuldades por que passavam, os reveses e os golpes de sorte que marcaram as suas vidas.   

         Graças ao Pedro Magalhães, que me falou do filme, vi e recomendo muitíssimo o documentário Tim’s Vermeer (2013), que, passe a publicidade, está disponível na MEO. O filme conta a história de Tim Jenison, um empresário-milionário que decidiu pintar um quadro de Vermeer. A dado passo, e muito apropriadamente, ouve-se a música de Dylan, When I Paint My Masterpiece



Jan Vermeer, A Lição de Música, 1662




Num armazém de San António, no Texas, Jenison reconstruiu ao milímetro o cenário d’A Lição de Música, tela de 1662 que é propriedade da rainha de Inglaterra. Aquelas loucuras que só a América e as grandes fortunas permitem, sagas que podemos considerar risíveis mas que são inofensivas e traduzem uma insaciável fome de conhecimento e um entusiasmo típicos dos povos-criança. É também admirável a persistência do milionário, que poderia ter gasto o seu tempo e muito dinheiro noutras aventuras de pouco ou nenhum interesse para nós. Ao longo de vários anos, perseguiu Jan Vermeer. Mais do que copiar um Vermeer, Jenison quis demonstrar a sua técnica. Provar que Vermeer recorria a um dispositivo óptico que lhe permitia fazer aqueles quadros inigualáveis. Paradoxo ou não, Jenison propôs-se igualar o inigualável.

         No final, não sabemos bem se o conseguiu. O quadro que escolheu para imitar, A Lição de Música, não está acessível ao público (e, como diz Jenison a dado passo, nenhuma reprodução consegue devolver-nos o suave fulgor de um Vermeer original…). Mais ainda, é intrigante que Jenison diga que nunca pintara na vida: como aprendeu então a captar os tons delicados do pintor de Delft, a misturar e seleccionar os pigmentos adequados, a escolher os pincéis certos para cada traço finíssimo? Reproduziu uma lente como aquela que Vermeer supostamente teria usado, só pinta com pigmentos da Época Dourada, mas, ao vermos o filme, notamos que utiliza pincéis do nosso tempo… O resultado final é aprovado por David Hockney, de que já falei aqui, num texto longo demais para a paciência de muitos leitores. Não admira: o empreendimento de Jenison confirma aquilo que Hockney defendera no seu livro Secret Knowledge. É natural, portanto, que Hockney adira à tese de Jenison, segundo a qual Vermeer utilizara a «tecnologia» ao serviço da pintura – o que, note-se, em nada desmerece o seu génio. A «aura» mantém-se intocada, mas, se dúvidas houvesse, isto é mesmo, sem tirar nem pôr, A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica. 

         O filme, para mais bem-humorado, tem qualquer coisa de épico. E, ao contrário do que pode parecer, não é nada enfadonho nem carrega nos pormenores técnicos. Muito recomendável, em suma. Obrigado, Pedro!
 
António Araújo
 
 
 
 
 

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