terça-feira, 21 de abril de 2015

Tradição, história e campeões.







 
 
Fonte: http://www.sansiro.net/?page_id=186

 
 
Esta crónica é dedicada ao meu marido Duarte.
 
 
 
Na semana em que teve lugar a primeira mão dos quartos-de-final da Liga dos Campões dei por mim a pensar nos grandes ausentes. Os colossos que nem para a Liga Europa se qualificaram: Manchester United e Milan. Destes dois gigantes do futebol europeu e mundial é a equipa de Manchester que parece mais lançada no regresso às competições europeias. Depois de alguns meses complicados Louis van Gaal conseguiu mudar a atitude dos seus jogadores após uma época desastrosa e está finalmente a transformá-los à sua imagem. O treinador holandês dispensa apresentações e é um dos generais do futebol. Apesar da derrota com o Chelsea no passado sábado o Man United está claramente uma equipa diferente como se viu no derby da cidade. Frente aos Citizens a equipa liderada por Wayne Rooney foi uma justíssima vencedora.
 
Fonte: http://www.goal.com/en-us/news/7179/galleries/2015/04/12/10706322/live-gallery-the-manchester-derby-as-it-happened/ander-herrera-louis-van-gaal-manchester-united-manchester/56
 
Para além de uma excelente exibição colectiva gostaria de destacar Marouane Fellaini com quem finalmente os adeptos parecem ter feito as pazes e, em especial, Ander Herrera cuja maturidade e entrega incondicional me impressiona muito. Van Gaal sempre foi um treinador com ideias muito claras e para quem o «nome» ou o «pedigree» não é o factor determinante nas suas escolhas de jogadores. E essa característica é importante numa equipa que precisa de se renovar e pensar no futuro.
Caminho diferente tem percorrido a equipa italiana do Milan. O derby com os seus arqui-rivais este fim-de-semana foi disso um bom exemplo apesar de casa cheia, ou seja, quase 80 000 espectadores. Se é certo que as duas equipas jogaram com vontade de ganhar senti a falta dos grandes, grandes jogadores. Não deixa de ser curioso que um dos craques do passado glorioso e imperial do futebol italiano, Roberto Mancini (e aquela Sampdoria de 1990-91!) seja o treinador do Inter. A diferença entre as duas equipas de Milão e a Juventus é … enorme. Basta olharmos para a classificação: a Juventus lidera com quinze pontos de avanço em relação à Lazio e à Roma e o Milan e o Inter surgem em nono e décimo lugar. E mesmo em relação às equipas romanas há um longo caminho a percorrer para os clubes de Milão.
Como foi possível chegar aqui? Lembro-me tão bem das grandes equipas de Milão e da sua rivalidade e imensa qualidade. Já aqui falei muito daquela equipa perfeita de Arrigo Sacchi que foi campeã europeia duas vezes seguidas. Para além de jogadores fabulosos o seu trio de estrangeiros, ou melhor dizendo holandeses, era fora de série.

 
 
E ao trio holandês o Inter respondia com o … trio alemão.
 
 
Fonte: https://europafootball.wordpress.com/2011/03/27/derby-della-madonnina-a-historia/
 
 
 

A enorme rivalidade entre os dois clubes de Milão está relacionada com a sua origem. O Milan é o mais antigo tendo sido fundado em 1899 com o nome de Milan Cricket & Football Club. Formalmente, as suas origens inglesas passaram a «italianas» na década de quarenta quando adoptou o nome de Associazione Calcio Milan. Ainda assim ficou Milan. O Internazionale Milano Football Club, mais conhecido como Inter, foi fundado em 1908 por «dissidentes» do Milan. A razão da discórdia entre os dois grupos é aliás muito actual e explica a importância da palavra «internacional»: os dissidentes queriam abrir as portas a estrangeiros e não ter apenas jogadores italianos.
Para nós portugueses é impensável que dois rivais de uma cidade partilhem o mesmo estádio mas é isso que acontece com as equipas de Milão. O estádio de San Siro foi financiado pelo Presidente do Milan, Piero Pirelli, e inaugurado em 1926. Em 1935 seria vendido à Câmara de Milão em 1935 e passaria a ser também casa do Inter em meados dos anos quarenta. Outro exemplo de cooperação está relacionado com o nome do estádio. Em 1980 passou a ter o nome de Giuseppe Meazza, o grande «artista» italiano, duas vezes campeão do mundo em 1934 e 1938, e herói do Inter (embora também tenha jogado pelo Milan duas épocas). Ainda assim os ultras do Inter quando jogam em casa referem-se ao estádio como Giuseppe Meazza e no caso do Milan … é o San Siro.
Voltando ao Milan de hoje a grande pergunta que se coloca é a seguinte: qual é a sua estratégia? Sem dúvida que desde os anos gloriosos de Sacchi tivemos o Milan de Capello ou de Ancelotti (ou o Inter de Mancini ou de Mourinho) mas o que mais impressiona hoje em dia é o desnorte de um grande clube. A esta falta de rumo (ou também por causa dela?) juntam-se as notícias de que o Milan poderá ser vendido por Berlusconi a um investidor tailandês, Bee Thaechaubol. Se assim for segue o caminho trilhado pelo seu arqui-rival em 2013. Neste ano um grupo liderado pelo empresário indonésio Erick Thohir comprou 70% do Inter de Milão.
Será o novo dono capaz de inverter o rumo desastroso do Milan? Há muito que as opções de Berlusconi e do seu braço-direito, Adriano Galliani, são questionadas e em particular as transferências e as contratações. Há muitos exemplos mas diria que o «turning-point» foi a opção de mandar embora Andrea Pirlo. Os detalhes desta decisão são … de uma frieza extraordinária. Pirlo conta na sua autobiografia como se sentiu ao fim de tantos anos de dedicação e amor à camisola. Como bem sabemos ficou a ganhar a minha Juve e Andrea Pirlo tem sido crucial na conquista de três campeonatos consecutivos (e um quarto a caminho).

 
 
Um dos símbolos do Milan (e um dos meus ídolos) Paolo Maldini pôs há muito o dedo na ferida em declarações a um jornal italiano, La Repubblica, em 2012: «eu posso destruir este mito de que sou um membro da família do Milan (…) não me querem lá.» É bem conhecida a oposição de Galliani a um dos poucos homens que lhe pode fazer sombra já que, apesar da saída de Maldini não ter sido bem recebida pelos Ultras do Milan, há poucos heróis como Paolo.

 


Este é um jogador que se estreou na equipa principal em 1985 aos 16 anos e abandonou os relvados em 2009. Tal como o seu pai Cesare (e talvez um dia o seu filho Christian) pertence ao Olimpo do Milan. Paolo Maldini nunca conheceu outro clube e foi campeão europeu cinco vezes, sim cinco vezes: 1989, 1990, 1994, 2003 e 2007. E foi o seu capitão desde 1997 quando outro imortal e ídolo, Franco Baresi, deixou o futebol activo. E até os adeptos do Inter no último derby prestaram homenagem a Paolo Maldini.
É justamente Paolo Maldini que Bee Thaechaubol quer para director desportivo. Seria ouro sobre azul para um homem que sabe melhor do que ninguém o que é o coração rossoneri e a necessidade de pensar nas gerações mais novas incutindo-lhes o amor pela camisola. Como disse recentemente numa entrevista à Gazetta TV: «falta atenção aos verdadeiros valores do Milan». Mais ainda, «uma das fontes de força para um clube como o Milan é a tradição.»


Fonte: http://www.gazzetta.it/Foto-Gallery/Calcio/Serie-A/Milan/20-01-2015/tutto-maldini-esordio-5-champions-100554326167.shtml
 
 
Quando Paolo Maldini se retirou do futebol foram proferidos muitos elogios. Para mim, as palavras mais certeiras e comoventes foram as do capitão do Barcelona Carles Puyol que lhe escreveu uma carta em 2009. Carles Puyol foi capaz de captar a essência deste colosso do futebol mundial: um exemplo de atleta que se foi adaptando ao passar do tempo sem nunca perder a qualidade e que defendia sempre de forma «limpa» e em antecipação. Maldini nunca precisou de agressividade para ser o patrão da defesa, do Milan e da squadra azzurra. Puyol disse-o de forma clara: «O futebol não será o mesmo sem Maldini». Pois não. O Milan que o diga.
 
Raquel Vaz-Pinto
 
 
 
 

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