terça-feira, 2 de junho de 2015

Um crime em Goa.



 




SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA  (*)
                                                        Acórdão de 10 de Maio de 1961
                                                                  Processo nº 30 719
 
 
 
 
I – Nas províncias ultramarinas, pertence aos tribunais militares territoriais a competência para o julgamento dos crimes contra a segurança exterior do Estado. II – Mas, nos termos do artº 7º do Decreto-Lei nº 37 732, de 13 de Janeiro de 1950, pode a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça mandar avocar o julgamento ao Plenário do Tribunal Criminal de Lisboa quando para tanto concorram razões ponderosas, tais como presença dos réu na Metrópole e consequente maior facilidade de comparecer no julgamento; e vantagem de a responsabilidade ser apreciada num ambiente diferente daquele onde os factos ocorreram e onde poderiam ser desencadeados reacções, contra ou a favor do réu.
 
 
                                              
Acordam, em conferência, na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
 
Pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado corre seus termos o processo neste acto apresentado, organizado contra o arguido Menino Teotónio de Mascarenhas ou Telo de Mascarenhas, advogado, natural de Mormugão – Goa (Província da Índia Portuguesa), com residência fixa na Metrópole e morador nesta cidade de Lisboa, actualmente preso, pela prática de crimes contra a segurança do Estado indicando-se designadamente o previsto e punível no artº 141º do Código Penal.
 
Foi esse processo enviado ao excelentíssimo Procurador-Geral da República e este ilustre magistrado, em concordância com a sugestão formulada por aquela Polícia, apresentou a douta exposição de fls. 2 propondo; por concorrerem razões poderosas, que o julgamento do arguido, que seria da competência do Tribunal Militar Territorial de Goa, seja avocado ao Plenário do Tribunal Criminal, de Lisboa, de harmonia com o disposto no art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 37 732, de 13 de Janeiro de 1950.
 
Concretizando essas razões, alega o douto magistrado que o arguido, durante, largo período de tempo, por acção directa e por diversa propaganda, vem incitando a população daquela nossa Província e os portugueses que residem na União Indiana, à luta violenta e fraudulenta, e com o auxílio estrangeiro, para separar da Mãe Pátria, a favor da União Indiana, aquela sagrada parcela do território português.
 
Acentua que, mais do que em qualquer outro caso e em qualquer momento se impõe agora o uso da referida faculdade de avocação do julgamento.
 
É notória a infundada, estranha e reprovável ambição, de aquela nação estrangeira pretender anexar o que, há séculos, legitimamente apropriamos e foi objecto de integração na terra portuguesa.
 
Todo o mundo civilizado pôs já em relevo o infundado de tal ambição, que apenas mereceu a repulsa geral e de todos os portugueses que amam a sua Pátria e têm plena consciência do absurdo e da ilicitude de tais pretensões de expoliação.
 
Acrescenta que os portugueses daquela nossa Província indiana têm mantido atitude de calma, mas firme, dignidade, aguardando que a força da razão e do direito convençam os transviados, como já sucedeu com o veredictum do Tribunal Internacional da Haia.
 
Todavia, o julgamento na Índia portuguesa, do arguido que esqueceu os seus deveres de português, pode determinar manifestação de paixões contra ou a favor do mesmo, e impedir o ambiente de calma e de elevação em que deve ser administrada a justiça.
 
Conclui ser, por isso, necessário para a boa administração da justiça, que o julgamento seja feito no Tribunal Criminal Plenário de Lisboa, onde o arguido, que se encontra com residência fixa na Metrópole e a morar em Lisboa, onde o arguido, que se encontra com residência fixa na Metrópole e a morar em Lisboa, verá aumentadas as suas garantias de defesa com a sua própria presença em julgamento e sem os inconvenientes apontados para o julgamento no tribunal normalmente competente.
 
Apresentada em sessão extraordinária e sem necessidade de vistos, de harmonia com as disposições dos artºs 36.º, n.. 6.º, 671.º, § 2.º, e 484.º do Código de Processo Penal, foi a mesma petição devidamente apreciada no seu objecto e nos seus fundamentos.
 
Tem fundamento legal a pretensão formulada.
Com efeito, estabelece o art.º 13.º, n.º1.º, do Decreto-Lei n.º 35 044, de 20 de Outubro de 1945, que compete ao Plenário do Tribunal Criminal o julgamento dos crimes contra. a segurança exterior ou interior do Estado;
 
Relativamente ao Ultramar, dispõe o artº 1º do Decreto nº 36 090, de 3 de Janeiro de 1947, que é da competência dos Tribunais militares territoriais o conhecimento, instrução e julgamento das infracções previstas nos artºs 163º a 176º do Código Penal, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 35 015, de 15 de Outubro de 1945.
 
Porém, o Decreto-Lei nº 39 299, de 30 de Julho de 1953, mostra-se à evidência. A competência do0s tribunais militares territoriais das províncias ultramarinas, para julgamento dos crimes previstos e punidos pelos artºs 141º a 151º e 163º a 176º do Código Penal, como já se acentuou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 14 de Dezembro de 1960, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 102, a págs. 289.
 
E, completando esta matéria e legislando ainda para o Ultramar, o artº 7º e seu § único do já citado Decreto-Lei nº 37 732, de 13 de Janeiro de 1950, veio estabelecer que compete ao plenário do tribunal criminal de Lisboa o julgamento dos crimes referidos nos nºs 1º e 3º do artº. 13º do citado Decreto-Lei nº 35 044, cometidos no Ultramar, quando a secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça sob proposta do Procurador-Geral da República, mandar avocar o seu julgamento ao tribunal criminal; neste caso, a competência territorial do tribunal criminal de Lisboa considera-se extensivo ao Ultramar, abrangendo a área dos distritos judiciais de Luanda, Lourenço Marques e Goa.
 
 
Ante estes preceitos legais, é manifesta a competência dos tribunais militares territoriais das províncias ultramarinas para conhecer do crime de que trata o processo apresentado, e que a sua avocação é autorizada e pode ser pedida e concedida, em face da lei.
 
Resta, por isso, apreciar se há realmente razões que aconselhem essa avocação.
 
Ora, as razões apresentadas, apreciadas sob o aspecto jurídico-penal com a finalidade de concorrer para a boa administração da justiça, mostram que há, na verdade, toda a conveniência em que a apreciação das responsabilidades do arguido se faça em ambiente diverso daquele onde mais directamente podem estar em efervescência as paixões e reacções provocadas pela propaganda de ideias anti-patrióticas e anti-nacionais, e, portanto, num ambiente calmo e desapaixonado, no qual a aplicação da lei se fará com mais serenidade, e até em benefício do arguido que, estando presente ao julgamento, melhor poderá defender-se da acusação que lhe é imputada.
 
Deste modo, e dando aceitação à proposta do excelentíssimo Procurador-Geral da República se decide, para todos os efeitos legais, que o julgamento do processo que acompanha essa proposta seja avocado ao plenário do tribunal criminal de Lisboa para ali seguir os seus devidos e regulares termos.
 
Entregue-se, com certidão desta decisão, o processo em referência ao excelentíssimo Procurador-Geral da República.
 
Sem imposto de justiça, por a ele não haver lugar.

Lisboa, 10 de Mato de 1961.
 
Eduardo Coimbra (Relator) - Mário Cardoso - F. Toscano Pessoa - Barbosa Viana - Amorim Girão.





* In Boletim do Ministério da Justiça, nº 107, Junho de 1961, pp. 466-469.

1 comentário:

  1. Este é para contrabalançar o documento com as corajosas alegações do MP publicado no outro dia, não é ? Gosto especialmente do argumento que frisa que a avocação é do interesse do réu, uma vez que permite que ele esteja presente para se defender. Acho que o argumento devia ser usado mais vezes, por exemplo para justificar a prisão preventiva (ex : o réu oferece garantias de representação, no entanto a detenção preventiva é do seu interesse, pois constitui uma garantia suplementar da sua presença para se defender...).

    Boas

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