quinta-feira, 21 de abril de 2016




impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

 

 

# 57 - DAVE BRUBECK / PAUL DESMOND

 


 
Na colheita vintage de 1959, o melhor ano editorial da história do jazz, “Time Out” foi uma dos néctares nele saboreados. Mas para cima de meio século depois há que estimar como surpreendente esta aclamação, porque a obra é deveras excêntrica em relação ao que já então predominava no jazz e mais ainda com a sua posterior.
Dave Brubeck constituíra o seu quarteto em finais de 1951 e o seu primeiro e mais notável feito foi quase imperceptível à época: actuando nos auditórios universitários na denominada Bay Area, no raio de S. Francisco, atraiu todo um novo público para o jazz, cuja popularidade transitava então do povo urbano negro, que havia dançado ao som do swing, para a classe média branca, seduzida pela aura mundana e boémia do jazz.
Terá sido esta massa de estudantes e jovens professores que alcandorou Brubeck a um impensável quarto lugar entre os pianistas, na Poll da Downbeat de 1952. No final desse ano uma digressão do quarteto de Brubeck por Boston e Nova Iorque deu a conhecer um pouco mais as singularidades deste som diferente e folgado a que chamavam cool.
A figura que Brubeck e o seu saxofonista alto Paul Desmond faziam em palco era, também, ela incomum. Além de suarem pouco e de se entreterem com incessantes contrapontos em vez de duelos harmónicos, de aspecto apresentavam-se iguais a dois contabilistas, de óculos grossos, camisa branca a que só faltavam as esferográficas no bolso, e uma pose assaz circunspecta. Tocavam sobretudo standards, o que tornava a sua música sobremaneira palatável.
Transferido para a Columbia Records em 1954, Dave Brubeck passou a ter expressão nacional a troco de um momento que foi tanto de prémio como de embaraço. Bem trabalhada pelos publicistas da editora, a revista Time deu-lhe um dos seus preciosos destaques de capa, privilégio que à procedência do jazz só antes fora concedida a Louis Armstrong. Acresce que a prosa justificativa macaqueava desastradamente o linguajar beatnick, reputando Brubeck como “a wigging cat with far out wail.” Não faltaram sobrancelhas a franzirem-se e canetas de críticos hesitantes entre etiqueta-lo de filisteu ou de superficial. Grande pejo sentiu o pianista quando Duke Ellington lhe deu os parabéns e, encalistrado, só balbuciou, “devia ter sido o senhor…”
 
Time Out
1959 (2016)
Columbia / Legacy – K 65122
Dave Brubeck (piano), Paul Desmond (saxofone alto), Eugene Wright (contrabaixo), Joe Morello (bateria).
 
No jazz não é raro que por detrás de um grande homem esteja outro grande homem. Assim era que emparceirando com Brubeck, Paul Desmond (nascido Breitenfeld, nome nada artístico), figura irónica, com um humor a roçar o cinismo, se acomodasse à posição de segundo para não ter que amargurar os deveres empresariais da liderança. Entendiam-se como que por telepatia e completavam-se com uma amizade musical límpida. Desmond tinha artes de extrair do saxofone alto um timbre velado e uma fluência ondulante, bastante contrária à herança de Charlie Parker, que toda a gente tomava não só por referência, mas também como incontornável. Sobre isto, que patenteava com temperança, tinha o dom da composição. Foi de sua lavra o tema “Time Out”, de tal modo incisivo na carreira de ambos, que a ele se viram amarrados para sempre e sobre ele fizeram jura que nenhum o tocaria sem o outro, assim preservando a sua relação dos possíveis agravos que a fortuna tem o hábito de incubar. 
Ao escutar o alinhamento do disco “Time Out” o editor foi todo reticências. Os experimentalismos davam estatuto ao jazz mas afastavam-no das massas populares, então nas primícias da sua atracção pelo o rock’n’roll. A obra era atravessada por compassos bizarros, de índole levantina, em nada devedores da tradição do jazz; “Blue Rondo à la Turk”, o velocíssimo tema de abertura, desenvolvia-se num 9/8, antes de inflectir por outras métricas igualmente invulgares, e “Time Out” pautava-se em 5/4. O êxito foi, portanto, inesperado para todos os seus intervenientes. Hoje o segredo deste sucesso é de polichinello: sob a sua construção caprichosa, o tema discorre de forma coloquial e simplificada, produzindo o mesmo efeito de satisfação nos apreciadores que a poesia romântica em oposição à barroca – it’s melodics, stupid!
 
 
José Navarro de Andrade




 

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