quinta-feira, 9 de junho de 2016




impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

 

# 72 - GRANT GREEN

 
Fotografia de Francis Wolff
 
 
Grant Green é tudo o que um artista maldito deveria ser, condição que no jazz é electiva. Em vida nunca recebeu apreço na medida que os seus tardios entusiastas acham ser-lhe devida e, no entanto, teve um itinerário musical nada obscuro, decorrido à luz da Blue Note que lhe deu quase 30 capas e na qual foi guitarrista residente, participando, portanto, em incontáveis sessões. Por azar etário Grant Green foi contemporâneo de alguns dos grandes guitarristas do jazz, num dos seus períodos mais exuberantes, pelo que o esplendor coevo de Kenny Burrell, Wes Montgomery ou George Benson, ter-lhe-á mitigado o brilho. Mas o seu estilo melódico nota-a-nota, sem grande sofisticação harmónica e a sua constante remissão para a singeleza dos blues, numa época em que primavam os rasgos e as rupturas como se tudo estivesse por inventar, em nada lhe facilitaram o reconhecimento. E mesmo quando este veio, muito puxado pelos admiradores, ainda assim só a ele aderiu quem concordou que não era simplória a simplicidade de Grant Green. A estas contrariedades a um pleno reconhecimento acresce que boa parte da discografia de Green, sobretudo a terminal, é assaz negligenciável; o vício da heroína e os concomitantes problemas de saúde – que acabariam com ele aos 43 anos – devoraram-lhe qualquer vintém ganho e obrigaram-no a uma incessante e pouco criteriosa actividade.
           Trazer, então, Grant Green à colação é reiterar que no firmamento do jazz não cabem só constelações, isto é, aqueles músicos prodigiosos que disco após disco desenham uma forma e uma obra coerente, mas também estrelas solitárias, os intérpretes que num relâmpago de inspiração se redimem da fieira de fracassos e da menoridade que doutro modo os sujeita.
 

Idle Moments
1965
Blue Note - 7069
Grant Green (guitarra), Joe Henderson (saxofone tenor), Duke Pearson (piano), Bobby Hutcherson (vibraphone), Bob Cranshaw (contrabaixo), Al Harewood (bateria).
 
 
Se “Idle Moments” é todo ele recomendável, a composição que lhe dá o título é memorável. Como tantas vezes sucede, a mão invisível do acaso intercedeu de maneira decisiva. Cerca da meia-noite do dia 4 de Novembro de 1963 faltava ainda preencher 7 minutos da duração do disco, depois de terem sido gravados os temas “Nomad”, “Jean de Fleur” e “Django.” Todos concordaram em interpretar “Idle Moments”, a composição escrita e proposta pelo pianista Duke Pearson, suficientemente lânguida para não causar sobressaltos. Mas o adiantado da hora trouxe aos músicos aquela combinação de fadiga e adrenalina que, nas mais raras e favoráveis circunstâncias, os torna descontraídos, à beira de um enlevo, tanto como imparáveis. Assim foi que Grant Green se distraiu ou se deixou levar e em vez dos combinados 32 compassos, solou durante 64; sem pestanejar, os acompanhantes seguiram-no e intervieram com igual desenvoltura. No fim “Idle Moments” prolongara-se por 15 minutos que seria crime desarranjar. No dia seguinte regressaram ao estúdio para regravar os restantes temas do disco com durações mais curtas.
Há acontecimentos que fazem História em menos tempo do que “Idle Moments”, porque não haveria então este momento de ter lugar na história do jazz?
 
 
 
José Navarro de Andrade

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