terça-feira, 14 de junho de 2016

O mundo de ontem.

 
 
 
 
 
 
 
         «Espoliar judeus tinha, ainda assim, uma certa lógica, e fazia sentido, pois com o produto da pilhagem das fábricas, dos recheios das casas, das mansões, e com os empregos que ficavam vagos era possível alimentar os correligionários e recompensar os velhos acólitos; afinal, a colecção de quadros de Göring deve o seu esplendor essencialmente a esta prática exercida em tão larga escala.»


 
         Este trecho d’O Mundo de Ontem. Recordações de um europeu, o extraordinário relato de memórias de Stefan Zweig (Assírio & Alvim, 2014, pág. 474), dá-nos uma pálida ideia do que foi a pilhagem da Europa feita pelos nazis. Nos últimos anos, foram publicados muitos livros sobre o tema, fez-se um filme de sucesso, mas a obra que mais me impressionou foi – e continua a ser – a de Lynn Nicholas, The Rape of Europa, a partir da qual foi feito um filme e um site.
 
 



 
       
 
         Há um par de meses, graças à amizade imensa da Elena Piatok, pude almoçar com Niklas Frank, vindo a Portugal por ocasião da Judaica. Ao contrário de outros filhos de nazis célebres, o filho de Hans Frank – ministro da Justiça da Baviera, jurista «oficial» de Hitler e, mais tarde, governador-geral da Polónia dizimada – rompeu há muito com a memória do pai. Contou-me que quanto mais os Aliados avançavam, mais Hans Frank se refugiava no anexo da sua casa. Ficava ali horas a fio, cada vez mais tempo, contemplando os quadros pilhados nas galerias de arte e nas colecções privadas da Europa. Para Hans Frank, aquelas telas eram já o seu mundo de ontem.
 
 


 




 
 
 
 
         Há uns tempos foi descoberta uma preciosidade. Não mais um óleo de Cranach ou Holbein, os favoritos da voracidade de Göring. Melhor dito, a descoberta foi feita logo em 1944, quando os Aliados libertaram Paris – e, com ela, os armazéns Lévitan. Lá dentro, entre milhares de objectos, descobriram um álbum com 85 fotografias. Com as devidas distâncias, aproxima-se do famoso Álbum de Auschwitz. Com as devidas distâncias, claro está. O álbum encontrado no Lévitan mostra os judeus que aí estavam aprisionados – como num campo de concentração – e a quem foi dado o encargo de arrumar, empilhar, registar, catalogar todos os bens que… eram seus. Os nazis certamente gostariam de ter destruído este álbum precioso; mas, infelizmente, escapou-se-lhe das mãos. A Möbel Aktion foi um raid lançado pelos nazis sobre os apartamentos parisienses confiscados aos judeus. Trouxeram de tudo, tanta coisa que só cabia num grande armazém. O Lévitan tinha sido aberto, nos anos 1930, por um judeu – o que adensa a cruel ironia de se ter visto transformado num campo de trabalhos forçados. «Campo Lévitan», assim lhe chamavam, apesar de ficar situado não na Polónia distante mas nos nºs 85-87 da rue Faubourg Saint Martin. Surpreendia pela elegância curvilínea dos seus interiores, onde agora se amontoavam pianos, quadros, servindo ainda de dormitório para os 795 prisioneiros que, ao todo, aí permaneceram entre 1940 e 1944.
         Os nazis pilharam literalmente tudo. Não apenas, como se pensa, obras de arte e objectos de mais valor. Não, veio tudo a que deitaram a mão. Stefan Zweig, aliás, explica que o sistema tinha certa «lógica». Utensílios de cozinha, facas e garfos, talheres de usos variados, nada escapou à rapina. Dizem que não era incomum um prisioneiro encontrar os seus objectos ali, ali no Lévitan, prontos a serem empacotados e despachados para Leste.
         No pós-guerra, o álbum foi levado para Munique por James R. Rorimer, um dos «Monuments Men» que inspiraram a fita famosa (e que nela é corporizado pelo actor Matt Damon). Saiu o ano passado em livro, organizado por Sarah Gensburguer, obra que tarda em me chegar às mãos, pelo que, à excepção de alguns pormenores, tudo o que aqui escrevi foi copiado, sem pudor nem cerimónia, daqui, daqui e daqui. Quem copia só de um lado, chama-se plagiador; quem copia de vários, é um investigador (frase que, aliás, foi copiada já não me lembro de onde...).  
 
 

 
 
 

3 comentários:

  1. Nazistas e comunistas em tudo igual, vergonha para a humanidade.

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  2. Ha uns anos atras, fizeram la uma exposição, com fotografias e documentos que permitiam reconstituir os acontecimentos. Bem interessante e bem impressionante. Não sei o que fizeram depois com o local. Encontrei alguns dados sobre a exposição de 2007 :

    http://www.passagedudesir.com/evenement.php?idp=4&lg=FR

    Boas

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  3. António, não resisto em partilhar no facebook. E obrigada, ignorava esta «Moebel Aktion».

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