quinta-feira, 20 de outubro de 2016


impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

 

# 62 - LEE KONITZ

 

 
Sempre adernado alguns graus em relação ao eixo dominante, embora nunca descaindo até às inconformidades e despeitos da margem, Lee Konitz passou por muita formas de jazz desde que despontou na aurora dos anos 50, constantemente denotando um apurado sentido de equilíbrio, para que sem desacato ou alinhamento demarcasse uma voz, mais do que um estilo, característica. Talvez não seja estranho que a maior parte da pequena parte de músicos brancos que se destinaram ao jazz provenha da comunidade judaica americana; é necessário um sólido amparo cultural para viver, e ainda assim crescer, perpetuamente em minoria.
Lee Konitz foi o discípulo predilecto de Lennie Tristano que no seu exemplo de austeridade, mais do que pelos ensinamentos formais, lhe terá induzido a estar atento à inovação, mas a não ir em modas, prescrição nada fácil de aguentar por um jovem que principiava em plena explosão do bebop. Este distanciamento formal veio a encontrar guarida na célebre tertúlia de Gil Evans que congeminou o cool jazz, modalidade da qual ele foi um dos fundadores – e um dos protagonistas de “Birth of Cool” o “tal” disco editado 7 anos depois da sua gravação, quando a música nele ouvida já tinha algo de serôdio – mas depressa um dos dissidentes.
À semelhança de Gery Mulligan, também Konitz se trasladou para a Costa Oeste onde as oportunidades pareciam melhores; mas se Mulligan empregou a descontração californiana no incremento do cool, Konitz, que não procurava escola, mas antes um caminho, deu largas à sua heterodoxia. Por isso é frequente recorrer ao substantivo “maverick” para adjectivar a sua atitude.
 
 

Motion
1961 (2007)
Verve / Universal Distribution - 9330
Lee Konitz (saxofone alto), Sonny Dallas (contrabaixo), Elvin Jones (bateria).
 
A hora definitiva de Konitz chegaria em 1961, apesar de em 1955 ter assinado uma obra notável com o tenorista Wayne Marsh. Dizem os puristas, sem que a razão os abandone inteiramente, que no improviso está a beleza e a verdadeira ecologia do jazz, mesmo quando a situação é premeditada, ou seja, numa gravação em estúdio. Foi o que aconteceu em “Motion”. Lee Konitz nunca dantes trabalhara em trio de saxofone, ao mesmo tempo sem cordas nem o desafio doutro metal. Para agravar o caso Elvin Jones assomou com a verve espevitada pelo concerto de véspera com Coltrane, num quinteto em que tinha de impulsionar ritmicamente dois saxofones e um baixo enérgico. De modo que a Sonny Dallas coube aguentar-se no papel de pau-de-cabeleira na ininterrupta e irrequieta troca de mimos entre, por um lado, as harmonias menos tensas, notas mais longas e o timbre seco de Konitz e, por outro, as vagas lançadas por Jones.
O carácter irrepetível de “Motion” e a simbose nele escutada entre dois modos de ser bem distintos fazem do disco um instante de fulgor.
 
 
 
José Navarro de Andrade
 
 
 

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