quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Ribatejo, 1967.

 
 

Cécile Aubry (1928-2010)
 
 
 
 
Cecile Aubry, pseudónimo literário de Anne-José Bénard (1928-2010) é uma personalidade mais interessante do que os seus romances infanto-juvenis podem fazer crer. Escritora, cenógrafa, realizadora de cinema e actriz, foi a autora da celebérrima série televisiva Bela e Sebastião, que muitos de nós ainda recordam. Teve uma carreira promissora no cinema, onde contracenou com Orson Welles e Tyrone Power, mas largou as fitas quando se casou, na mesquita de Paris, com o filho do pachá de Marraquexe, o qual se tornaria realizador e actor. Aubry ganharia fama através das séries televisivas baseadas nas suas obras, com Poly e Bela e Sebastião. Mostrou grande interesse por Portugal, na altura um destino exótico, tendo sido cenógrafa de Poly au Portugal, série de 1965, em sete episódios. Como escritora, escreveu um romance homónimo, mas o trecho que aqui vamos reproduzir, de Poly no Ribatejo, parece  não ser dessa obra, mas antes, como se indica na ficha técnica, de Au Secours Poly! (1967), com ilustrações de Christiane Dufour. Foi traduzido entre nós por Maria Amélia Bárcia e editado pela Empresa Nacional de Publicidade, que já havia publicado, na mesma colecção Poly em Portugal. Pueril, infantil, o que quiserem, mas o que interessa é a visão idílica do país, ou de uma sua região, que dela tinha uma popular autora francesa. Daí este trecho:
 
 

 
 
 
 
 
Naquela manhã, mal nascera o dia, Carlitos, armado com uma escova, dirigia-se para a cavalariça da quinta, na firme intenção de esfregar o pelo, já reluzente, do seu lindo cavalinho Poly.
Poly, que ele devia à amabilidade de Pascal. Ao findarem as férias do ano anterior Pascal tinha visitado o Ribatejo antes de deixar Portugal. O Ribatejo – todos o sabemos – é uma das mais belas regiões do nosso país. Ali, à beira do Tejo, se criam os toiros para as toiradas. Esses bandos de toiros chamam-se – como também sabem – «manadas» e os seus guardas são os «campinos», esses maravilhosos cavaleiros. Noite e dia, armados com os seus longos pampilhos que se assemelham a lanças, rendem-se para manterem a ordem entre os altivos animais, por vezes combativos. Os campinos vivem com suas famílias em vastas herdades isoladas que são verdadeiras aldeias.
Tinha sido numa dessas herdades, talvez a mais bonita, que Pascal e Poly haviam passado perto de uma semana. E assim haviam travado conhecimento com o pequeno Carlitos. Muito moreno, Carlitos era, com os seus dez anos, o mais hábil dos jovens cavaleiros. Seu pai, o Zé Ernesto – chefe dos campinos – orgulhava-se disso. Quanto a Pascal, a sua admiração e a sua amizade por Carlitos foram tais que lhe propôs deixar-lhe Poly até ao Verão seguinte. O cavalinho seria muito mais feliz galopando com Carlitos, do que se ficasse fechado na herdade de Tourelles, muitas vezes fechado na estrebaria. Porque pascal ia entrar num colégio como aluno interno.
Carlitos aceitou satisfeito a proposta. Agora, Poly e ele tinham-se tornado companheiros inseparáveis. Era por isso que, naquela manhã, o rapazito se dirigia alegremente para o estábulo do pónei.
Nesse momento já o pai se encontrava a cavalo, pronto para ir ter com a manada. Carlitos gritou:
 − Pai, posso ir consigo?
− Com certeza – respondeu o pai. – Sela o teu pónei e despacha-te, Vem ter comigo ao pasto, porque não posso esperar por vocês.
         (…)
         Zé Ernesto fez sinal ao filho. Ambos partiram então a trote e foram ter com Afonso, no flanco da manada. Carlitos juntou-se aos campinos que, com o pampilho, incitavam os animais atrasados. Zé Ernesto franziu a testa. Com voz severa, ordenou:
         − Põe-te atrás de nós, Carlitos.
         Um tanto vexado, Carlitos teve no entanto que obedecer. Pôs-se a ver os homens trabalhando sob as ordens de seu pai. Separavam o rebanho em dois grupos: os toiros que ficariam em liberdade na manada e os que seriam escolhidos para a corrida. Os campinos tentavam agrupar-se em volta desses, que seriam uns dez. Tinham de encerrar os dez animais num círculo cada vez mais apertado, até que fosse possível obrigá-los a entrar, um a um, numa espécie de corredor ladeado de altas barreiras que conduzia a um cercado.
         Bruscamente, Carlitos estendeu o braço para um dos touros:
         − O melhor de todos é aquele! – gritou.
         Afonso teve um assobio de admiração.
         − Estás a ver, Zé, o teu filho tem olho! Não há dúvida que o Negro é dos mais fortes e dos mais corajosos.
         Zé Ernesto teve um sorriso de orgulho, mas não quis mostrá-lo ao Carlitos.
         − Agora vai dar um passeio – disse para o filho. – Por hoje já viste bastante.
         (…)
         Poly conduziu Carlitos ao longo dum caminho escavado, com muita sombra. Depois cortou a direito pelo pasto e trotou para o parque de uma casa muito bonita que o pequeno avistava por entre as árvores. Nunca tinha entrado nesse parque, nem na casa toda branca. Zé Ernesto proibia-o formalmente, a todas as crianças da quinta. Era a «casa dos patrões», a bela vivenda de D. Vasco.
 
 
 
 

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