quinta-feira, 25 de maio de 2017

Os partidos políticos e os cogumelos.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A propósito deste «post», António Cirurgião enviou-nos, dos Estados Unidos, a seguinte nota memorialística:
 
A proliferação dos partidos políticos do Portugal pós-abrilista era tal que me fez lembrar a mim, nado e criado no campo, a vida dos cogumelos. Explico-me: sem grande exagero, quase se pode dizer que não havia dia em que não nascesse um novo partido, da mesma maneira que, na época dos cogumelos, não havia dia em que não brotassem do solo ou das árvores, mormente dos carvalhos e dos castanheiros, cogumelos novos, como eu pude pessoalmente verificar durante o tempo de eu menino.
          Como consta de outras entradas do meu Diário, o café que eu frequentava com mais assiduidade, logo a seguir ao 25 de Abril, era o Montecarlo, ao Saldanha. Creio que seria preciso usar os dedos das duas mãos para contar os partidos políticos que aí foram dados à luz. Quando menos se esperava, ao espraiar os olhos, no meio de um ruído ensurdecedoramente festivo, pelas mesas do café, dava com meia dúzia de indivíduos, normalmente do sexo masculino, a criar mais um partido político. Não me esqueço de uma vez ter ouvido dizer a alguém, sentado à minha mesa, que por essa data, meados de Julho de 1974, já havia uns 54 (cinquenta e quatro, como se diz nos documentos oficiais, notarizados) partidos políticos em Portugal. Isso para não falar dos manifestos. Pelo que se refere a estes, jamais poderei esquecer o que aconteceu uma vez, por essa altura, em plena Praça do Rossio, pelo meio da tarde de um céu azul e benigno, como costuma ser o céu de Lisboa. Estava eu a assistir, por curiosidade, a uma filmagem, para futura reportagem, feita por uma cadeia de televisão espanhola, quando, de repente, se aproxima do jornalista e “cameraman”, um indivíduo, espanhol como eles, e aparentemente da mesma equipa, a erguer, triunfante e galhofeiro, diante dos olhos deles um panfleto acabado de sair à luz do dia,  o que quer dizer, ainda a cheirar a tinta fresca. Prazenteiro e com ar de quem tinha descoberto uma mina de ouro, exclama:    
         − Mirad, chicos: ved lo que tengo en las manos: nada más nada menos que un manifiesto de las prostitutas portuguesas. El punto más importante es el que se refiere al precio especial destinado a los militares. Se dice aquí, en letra de prensa, que a partir de hoy los militares tendrán el cincuenta por cien de descuento cuando vayan a las casas de prostitutas.
         Perante notícia tão auspiciosa e tão picarescamente revolucionaria, o jornalista deu por terminada a entrevista que estava a fazer para se concentrar no manifesto das putas do Bairro Alto, não sem comentar, em tom brincalhão, que não estranhava que brevemente lhes fosse parar às mãos um “manifiesto de los maricones portugueses.”
                                                     
                                     António Cirurgião
 

4 comentários:

  1. Este enfado com os partidos políticos do "Portugal pós-abrilista" (expressão curiosa...) não é novo. Aliás, já antes se achava que essas coisas eram um disparate. Não sei se sabe o autor quantos partidos políticos existem na França, Alemanha ou Inglaterra, por exemplo.

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  2. Pois era mais fácil fazer as contas antes do 25.Também não havia possibilidade de putas e maricas se expressarem. Um ponto este Sr cirurgião .Deve ser boa pessoa amiga do seu amigo e etc

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  3. Excelente texto.
    Delicioso, genial.
    Mto obrigada Teresa Martins

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