quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A questão catalã explicada em dois objectos.


 
 
O navio-almirante, o mentolado vigoroso
 
 
         Todo o homem que se preze, ou quase todo, já levou com ele pela cara abaixo. O after-shave Floïd, quem não o conhece? Desde 1932, anda no rosto de toda a gente. O que toda a gente talvez não saiba é que a loção Floïd foi a fonte da fortuna do mítico empresário Joan Baptista Cendrós i Carbonell, a partir da receita de um unguento que os monges deram ao seu pai barbeiro, como recompensa por andar anos a fio com as tesouras nas tonsuras (a história está toda contadinha aqui, em catalão, a língua que se aprende nas escolas e que está em todas as placas de trânsito da Catalunha: opressão? colonialismo de Madrid?). Cendrós pegou na receita monacal e fez dela um sucesso internacional, até nas Américas!, dando-lhe o nome Floïd, que hoje é after-shave, champô, mil e um produtos de asseio masculino. Cendrós tornou-se El Señor Floïd, título de um livro dedicada à sua vida e obra, a obra de alguém pertencente à alta burguesia barcelonesa, de fortíssimas convicções catalanistas (não necessariamente independentistas, atenção), sendo um dos fundadores, em 1961, do Òmnium Cultural, uma entidade sem fins lucrativos cujo guito é só, mas mesmo só, para a cultura.


Joan Baptista Cendrós (1916-1986), um tigre 



      Ao longo dos anos, o Floïd deu muita e boa publicidade vintage, e até permite que dois patetas façam um vídeo de 11 minutos a falar dele, do Floïd. Há também outros vídeos a reinar com o Floïd, em inglês da América e tudo.   
 
 
 
 




 
 
Agora, nestes dias tumultuosos, o neto do senhor Floïd, David Madí, aparece em cena nesta tragédia catalã como um dos estrategas secretos de Puigdemont. Madí diz que não, que não é estratega coisa nenhuma, apesar de Puigdemont asseverar que se encontra com várias pessoas da «sociedade civil» e apesar de até existirem provas fotográficas desses seus encontros clandestinos. Numa delas surge o rapaz Madí, todo estratega. Faz parte do que já chamam «comité invisível», «governo-sombra», «estado-maior» ou «sinédrio do procés», a gente que montou uma ilusão de «referendo» com urnas de voto compradas às escondidas na China (!) e fraudes atrás de fraudes.  
 
 
Carles Puigdemont (1962-)
 
 
 
 
David Madí i Cendrós (1971-)


 
  Mas, pergunta-se, teria o potente Floïd chegado onde chegou se não vendesse para Espanha inteira, e daí para o mundo? A fortuna de Cendrós e a do seu netinho Madí seria o que foi – e é – se a poção milagrosa se tivesse ficado pelo mercado de Barcelona e outras cidades da Catalunha? Mais uma pergunta, só mais esta, vá lá: não foi, afinal, a Espanha unida que fez o Floïd e lhe deu chama, vigor e ímpeto, escala para crescer, chegando aos Estados Unidos, onde fez, e faz, furor & ardor nas peles dos homens?

 
Marquina 1961

 
 
 

Rafael Marquina (Madrid, 1921-2013)
 
 
         Agora, azeite. Não há produto mais típico do país que dizemos ser nosso vizinho (e por isso esta trapalhada da Catalunha vai acabar por afectar-nos, queiramos ou não; Espanha é o principal destino das nossas exportações...). O azeite vem doutras regiões que não a Catalunha, por certo, vem da Andaluzia, da áspera Estremadura, por aí fora, porque a Espanha é grande, maior do que a Alemanha que se reunificou, maior do que o Reino que se mantém Unido, maior que a Itália que no século de Oitocentos andou em bolandas e garibaldis para se unificar e com isso se fazer mais forte. Em área quilométrica, a Espanha só perde para a França, que se mantém unida porque não é parva (e, se acaso a Catalunha for parva, a madame gaulesa é que sairá a ganhar deste imbróglio todo, pondo a sua delicada patinha num território à deriva, sem Europa nem euro). Mas o azeite, como a questão catalã, tinha um problema: saía das garrafas qual génio de Aladino, deixava nódoa, sujava as gentes. Vai daí que, em 1961, um senhor chamado Rafael Marquina i Audouard criou uma «aceitera antigoteo» que se tornou um dos mais conhecidos e mais emblemáticos objectos do design espanhol. O design não é andaluz, catalão ou o basco, é design espanhol, pois só isso lhe dá expressão internacional, tornando-o conhecido em todo o mundo. Graças ao engenho de Marquina, temos hoje uma forma prática, eficiente e limpa de nos servirmos de azeite mesmo quando estamos com os vinagres. Era assim que a questão catalã deveria ser resolvida, houvesse bom senso de todas as partes envolvidas. Mas adiante. Há quem diga que Marquina não patenteou a sua genial invenção, uma garrafita com dupla forma cónica, um cone pequeno embutido num cone grande, como a Catalunha no todo que é Espanha, só assim funcionando a Marquina, para satisfação de ambas as peças cónicas – e de quem as usa e consome. Tudo em vidro, quebradiço, como Espanha o é desde há muitos séculos. O cone grande contém o líquido precioso, o cone pequeno serve de conta-gotas. Simples mas genial, não? Há cópias e recriações da azeiteira Marquina por toda a parte em que existe azeite e mesmo noutros lugares que o não produzem. De facto, o objecto é tão conhecido, a fórmula anti-gota é já tão corriqueira e banal que tendemos a pensar que o senhor Rafael Marquina lá se esqueceu do registo da invenção. Seja como for, a empresa que – e bem, pois é verdade como punhos – se proclama a legítima fabricante das verdadeiras e real ones azeiteiras Marquina é a fábrica Mobles 114 (ou m114), uma marca fundada em 1973, cuja sede fica em Barcelona, na Pau Claris 99. Isto, note-se, apesar de Rafael Marquina ser nado, criado e falecido em Madrid: são coisas destas que fazem a grandeza de Espanha. Em 2001, ganharam o Premio Nacional de Diseño. Agora imaginem Barcelona à solta – a Mobles 114 poderia sequer candidatar-se ao prémio nacional de design? E se por acaso esta salada toda acabar em independência, a Mobles 114 vai continuar em Barcelona, a fabricar a famosa Marquina 1961 só para os catalães e para os turistas que irão escassear? Questões que ficam no éter, dúvidas cruciantes. Talvez seja mesmo de convocar um referendo, perguntando ao povo, tão-somente, o que irá acontecer à vasta gama de produtos Floïd e à genial Marquina 1961. Referendo ao Floïd, referendo à Marquina, é quanto basta para perceber a questão da Catalunha e seus desvarios.
 
Para a Graça, d’O Escritório, com a amizade do
 
António Araújo   
 
 
 
 
 
 

3 comentários:

  1. Que post mais lamentável...
    Tem algum sentido um bom produto ou qualquer outra boa ideia só se vender no mundo inteiro por ser deste país ou do outro? Se fosse independente desde os anos 40 o empreendedorismo catalão a esta hora já era uma Suiça.
    E seja como for o que valem os argumentos serôdios de o kosovo nao sobrevive sem a Servia, a Crimeia sem a Ucrania, o Sudao do sul sem o do norte, Timor sem a Indonesia, a Eslovaquia sem a Checa, ou a Escocia sem Inglaterra perante a vontade soberana de quem lá mora???
    Quem tem medo da autodeterminação dos povos ou do simples voto?

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  2. A Lombardia seria outra, a Flandres mais uma. Ah! quantas Suiça haveria se não fosse necessário sustentar os pobres e madraços !

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  3. Meu pai usou floid, loção capilar (anti caspa?). O odor - para mim - era execrável. Não adiantou nada. A careca vicejou. Descendemos de família careca multisecular A minha vai fazendo o seu caminho, aos 57. Agora: até tinha vergonha de ter cabelo (citando meus avós - pois sou filho de primos direitos...)

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