domingo, 4 de fevereiro de 2018

Notas sobre A Grande Onda - 2

 
 
 
       2.

 
       O azul, em várias tonalidades, é uma das características centrais de A Grande Onda e um elemento essencial para perceber o seu singular cromatismo.

Todos os que se debruçaram sobre a obra de Hokusai salientam a importância do azul da Prússia na dinâmica da onda – e do Monte Fuji, ao longe.

 
        Como refere o director do Museu Britânico, Neil MacGregor, no deslumbrante livro História do Mundo em 100 Objectos (Temas e Debates-Círculo de Leitores, 2014), as gravuras originais foram impressas circa 1830 em papel de amoreira, numa dimensão aproximada ao A3. O azul do mar não é o tradicional azul japonês, mas o azul da Prússia (Preußisch Blau) ou azul de Berlim (Berliner Blau), um corante sintético inventado no século XVIII e menos susceptível de desbotar que os azuis tradicionais. Era importado directamente por comerciantes holandeses ou, o que é mais provável, foi produzido na China, país que fabricou azul da Prússia até 1920.
 

 

     Criado em 1709, o azul da Prússia (ou azul-da-prússia) tem uma origem curiosa, quase lendária, que, no seu breve tratado sobre o azul (Azul. História de uma Cor, Orfeu Negro, 2016), Michel Pastoreau descreve assim:
«A bem dizer, esta cor foi descoberta por acaso. Um certo Diesbach, droguista e fabricante de cores, vendia um belíssimo vermelho que ele obtinha precipitando com potassa uma decocção de cochinilha à qual fora adicionado sulfato de ferro. Um dia, faltando-lhe a potassa, foi abastecer-se junto de um farmacêutico pouco honesto, Johann Konrad Dippel. Este vendeu-lhe carbonato de potássio adulterado, de que ele próprio já se tinha servido para rectificar um óleo animal da sua invenção. Em vez do seu vermelho habitual, Diesbach obteve um magnífico precipitado azul. Não percebeu o que se tinha passado, mas Dippel, melhor químico e arguto homem de negócios, viu rapidamente todo o proveito que poderia tirar da descoberta. Tinha compreendido que fora a acção da potassa alterada no sulfato de ferro o que produzira aquela esplêndida cor azul. Após várias experiências, melhorou a técnica de fabrico e comercializou esta nova cor com o nome “azul-de-berlim”.
Durante mais de uma década, Dippel recusou-se a divulgar o seu segredo de fabrico, o que lhe permitiu acumular uma fortuna considerável. Mas em 1724 o químico inglês Woodward descobriu-o e publicou a composição da nova cor. O azul-de-berlim, entretanto transformado em “azul-da-prússia”, pôde a partir de então ser fabricado em toda a Europa. Arruinado, Dippel trocou Berlim pela Escandinávia, onde se tornou médico do rei da Suécia, Frederico I. Mais inventivo que nunca, produziu vários remédios perigosos que lhe valeram a expulsão do país e a prisão na Dinamarca. Morreu em 1734, sendo lembrado como um químico hábil mas pouco escrupuloso, intriguista e ávido de riqueza. Quanto a Diesbach, personagem sobre a qual nada sabemos, desapareceu pouco depois da sua descoberta fortuita, que viria a revolucionar a paleta dos pintores durante quase dois séculos.»   

 
Johann Konrad Dippel (1673-1734)








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